A história da cidade de Juiz de Fora é marcada por grande destaque alcançado nos eixos econômico e industrial, principalmente entre o final do século XIX e início do século XX. Fato que gerou à cidade não só apelidos como Manchester Mineira e Princesa de Minas, como também um amplo desenvolvimento cultural, ao passo que, Juiz de Fora foi a primeira cidade do estado de Minas Gerais a receber uma projeção cinematográfica, no dia 23 de julho de 1897.
Desde a primeira exibição até os tempos atuais, Juiz de Fora já contou com aproximadamente 40 cinemas, entre os localizados em shoppings e os cinemas de rua, que representam a maioria. Este segundo tipo agrupa espaços voltados exclusivamente para a exibição de filmes e se localizam em uma edificação própria. Apesar de muito presente no passado, os cinemas de rua são cada vez mais escassos no Brasil, o que representa um apagamento simbólico desses espaços, como defende a pesquisadora carioca Talitha Ferraz no artigo “As potências criativas da sala de cinema: pesquisas sobre histórias e memórias das salas de exibição e audiências cinematográficas”, publicado em 2020.
Alguns exemplos de cinemas de rua mais conhecidos de Juiz de Fora são: o Cine-Theatro Central, o Cine Glória, o Cine São Luiz e o Cine Palace, que têm em comum também a localização, pois todos funcionavam na Rua Halfeld, no coração da cidade. Mas essas não eram as únicas opções, o Cine Excelsior – localizado na Avenida Barão do Rio Branco -, também foi um dos cinemas que se destacou no seu período de funcionamento, principalmente graças à sua estrutura com equipamentos modernos, ar condicionado e poltronas confortáveis.
Existiam também os cinemas de bairro, responsáveis por descentralizar a exibição cinematográfica, de forma que esses conteúdos não ficassem restritos ao centro. O Cine Rex, por exemplo, era localizado no bairro Mariano Procópio e funcionou por 54 anos (1925 – 1979), sendo o cinema de rua com maior tempo de funcionamento ininterrupto da cidade.
O Cine Paraíso foi o único cinema de rua da cidade que, em algum momento de sua história, foi administrado pelo poder público através da Funalfa (Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage), órgão da Prefeitura de Juiz de Fora responsável pela gestão cultural do município. Tal administração, porém, teve início 32 anos após a inauguração do espaço e, para entender essa história, é preciso um retorno temporal.
A primeira fase do Paraíso
Fundado no ano de 1951, o Cine Paraíso se localizava na rua São Mateus, nº 1001, idealizado por Orville Derby Dutra – o então diretor do Instituto Maria – com a intenção de gerar renda para a manutenção da fundação, que funcionava como orfanato para meninas, através da conversão dos lucros da bilheteria.
O público do Cine Paraíso na ocasião da inauguração do cinema em 16 de maio de 1953. Foto: Acervo Instituto Maria.
Com capacidade para 600 pessoas, o Paraíso contava com uma ótima estrutura, com tela ampla, uma inclinação na plateia que permitia a visualização do filme sem preocupações com as pessoas assentadas nas poltronas à frente e uma bomboniere na recepção, como afirma Wilson Oliveira, de 76 anos, que frequentava os cinemas de Juiz de Fora todos os finais de semana na sua juventude.
Wilson conta, ainda, o motivo pelo qual a ida ao Cine Paraíso era especial: o meio de transporte utilizado para chegar até lá era o bondinho, que ele tomava no Centro da cidade e seguia pela Avenida Barão do Rio Branco até entrar pela Rua Chanceler Oswaldo Aranha e chegar, em seguida, à rua São Mateus. Ele relembra que o ponto final do bondinho era exatamente em frente ao Cine Paraíso e que, já no bondinho, os amantes de cinema começavam a conversar, pois os frequentadores habituais do Paraíso se conheciam das sessões, criando uma espécie de comunidade. Nessa época o Cine Paraíso contava com duas sessões, “uma matinê e outra à noite, a mais cheia”, como afirma Wilson, afirmando sua preferência pela segunda sessão.
Bondinho do Bairro São Mateus no ano de 1966. Fonte: Blog Maria do Resguardo
As saídas das sessões também eram marcadas pela presença do bondinho, não só pelo fato de levar o público que acabara de assistir aos filmes, como também por receber a continuidade das resenhas iniciadas no hall do cinema ou na própria parada do bonde, nas quais as pessoas conversavam sobre as histórias assistidas.
Os cinejornais também eram elementos marcantes dos cinemas nesta época, trazendo notícias e acontecimentos da cidade e do país antes da exibição do filme principal. A parte preferida de Wilson nos cinejornais era a que mostrava o resumo de partidas de futebol, exibindo alguns lances e detalhes de jogos disputados nos dias – ou até semanas – anteriores.
Durante quatorze anos, muitas pessoas assim como Wilson, viveram momentos especiais no Cine Paraíso, desde pessoas que foram ao cinema pela primeira vez à namorados que marcavam de se encontrar “no escurinho do cinema”. No ano de 1967, porém, essas histórias deixaram de acontecer, pois o cinema encerrou suas atividades e o prédio foi alugado.
De volta ao Paraíso
Fachada do Cine Paraíso durante a sua segunda fase de funcionamento com letreiro da Prefeitura, Funalfa e Embrafilmes. Foto: Roberto Fulgêncio – Tribuna de Minas. Fonte: acervo FUNALFA..
Durante anos o prédio do Cine Paraíso foi alugado e uma das locatárias foi a Prefeitura de Juiz de Fora, que chegou a usar o espaço como depósito para alimentos e materiais escolares, mas que, a partir do ano de 1985 passou a ser administrado pela Funalfa, recebendo então, atividades culturais. Em 1986, após 33 anos de sua primeira inauguração, o Cine Paraíso foi reinaugurado. Agora sob administração da Funalfa e parceria com a Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes -, uma produtora e distribuidora estatal brasileira de filmes cinematográficos.
O evento de retorno das atividades teve a exibição do filme “Nunca fomos tão felizes” (1954), dirigido por Murilo Salles e contou até com a presença do ator Roberto Bataglin, que interpretou o protagonista do filme, como conta Marco Aurélio de Assis, um dos projetistas que trabalhou no cinema na sua segunda fase.
Nesta foto, feita no dia da reinaugração é possível ver o ator Roberto Bataglin (em primeiro plano) e Marco Aurélio (segundo da esquerda para a direita), além de outros funcionários do cinema e pessoas que foram à sessão. Fonte: Acervo FUNALFA
Nessa nova etapa de funcionamento o Cine Paraíso contou com os melhores equipamentos, tanto de áudio quanto de projeção, cedidos pela Embrafilme. Marco conta que muitas pessoas reclamavam da imagem e dos sons e outros cinemas pois os equipamentos eram antigos ou desregulados, mas o Paraíso não enfrentava esse problema, afirma o ex-projetista. Ele conta também como funcionava a organização do cinema, que contava com dois operadores, um porteiro, uma pessoa responsável pela bilheteria, uma responsável pela bomboniere e, como não poderia faltar nos antigos cinemas, o lanterninha.
Por ser um cinema mantido por um órgão público e em parceria com a Embrafilme, o Cine Paraíso cobrava valores acessíveis nas entradas, além de também exibir filmes que não estavam presentes no circuito comercial da época. Marco cita as mostras de cinema francês, exibindo filmes como Au revoir, les enfants (1987); os filmes japoneses, como A Balada de Narayama (1983); filmes iranianos; filmes argentinos; e as mostras exclusivas de filmes brasileiros, que aconteciam sempre no mês de maio.
Depois de tanto tempo, a Rua São Mateus antes caminho do bondinho deu lugar a cada vez mais carros e motos, mas Marco lembra das caminhadas no fim das sessões, nas quais ele carregava, tal qual um sacerdote carrega um objeto sagrado, os rolos contendo os filmes. Ele conta que se sentia muito lisonjeado de passar no meio daquelas pessoas reunidas, com o motivo pelo qual elas estavam ali. Essa era uma cena corriqueira, pois Marco levava os rolos para a sede da Funalfa, no centro, e as pessoas que saíam das sessões continuavam conversando na rua, no hall de entrada ou também em bares e botecos próximos ao cinema.
Mas nem tudo estava diferente nessa nova etapa de funcionamento do Paraíso. A sessão mais badalada continuava sendo a de domingo à noite, que contava até mesmo com um “público cativo”, como afirma Marco Aurélio. Um dos fiéis amantes da sétima arte que frequentou este cinema foi Cristiano Rodrigues, atualmente professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Cristiano se mudou da cidade de Viçosa para Juiz de Fora no mesmo ano da reinauguração do Cine Paraíso, 1986. Mas foi no seu período de faculdade que passou a frequentar regularmente o cinema, em meados de 1988. Nessa época ele morava próximo ao espaço, na própria rua São Mateus, e isso foi um fator fundamental na criação do hábito de ir ao cinema.
Para ele, esse cinema representava também um espaço social, tanto pela grande troca de informações e de conhecimentos, principalmente pelo perfil dos filmes exibidos que atraía um público interessado em discutir os temas expostos, quanto pelas paqueras, namoros e amizades que surgiam ali, naquela verdadeira rede social. Cristiano diz enxergar o Cine Paraíso como um elemento essencial na sua formação intelectual, cultural e estética, sendo fundamental até mesmo para a sua escolha profissional, pois antes de se tornar professor, ele atuou como produtor em filmes documentário e diretor de publicidade e de televisão.
Além das diversas memórias daquele período, o professor ainda guarda com muito carinho algumas agendas da época, nas quais ele colava ingressos do cinema, recortes de jornais, anotações e várias informações, capazes de gerar, mesmo que por alguns instantes, a sensação de retorno àquele tempo dos ingressos preenchidos à mão, das resenhas do lado de fora do cinema, dos encontros e desencontros acontecidos ali e de diversas sensações.
Cristiano ainda guarda vários ingressos e panfletos dos filmes assistidos no Cine Paraíso, na imagem, o ingresso e alguns recortes de jornal sobre o filme Amor Bruxo (1986). Foto: Acervo pessoal de Cristiano Rodrigues
Nos anos 90, porém, assim como em diversos outros momentos, a arte era tratada por muitos como supérflua e, em determinados momentos, até sinônimo de desocupação ou rebeldia. Marco relembra que o prefeito à época, Alberto Bejani, seguindo um movimento do presidente Fernando Collor, passou a questionar a importância do Cine Paraíso. Alegando a impossibilidade de custear o aluguel do espaço, no valor de Cr$100.000,00, Bejani decretou o encerramento das atividades do Cine Paraíso.
O filme norte americano Cotton Club, dirigido por Francis Ford Coppola, conta a história de uma casa de shows em Nova Iorque, nas décadas de 20 e 30 e foi o último filme exibido na tela do Cine Paraíso, no dia 01 de maio de 1990. Infelizmente, o Cine Paraíso é mais um cinema de rua que só existe, atualmente, na memória daqueles que o frequentavam. O prédio que recebia o cinema foi vendido e posteriormente demolido. Hoje, um prédio residencial ocupa o solo onde antes ficava o Paraíso.
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João Guilherme Santos é graduado em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.
Theresa Medeiros é doutora em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, professora da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós-graduação em Artes, Cultura e Linguagens – PPGACL da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.
Esse texto foi produzido em diálogo com o Projeto de Pesquisa “Cinema de rua em Juiz de Fora e outras audiências: mapeando experiências na cidade” – VIC/UFJF 2021.
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Imagem principal:
Fachada do Cine Paraíso, localizado na Rua São Mateus, em frente a Rua Antônio Passarela.
Fonte: Acervo Simón Eugénio Sáenz Arévalo / Blog Maria do Resguardo