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Portais para o mundo. Os cinemas de rua de Juiz de Fora, por Reginaldo Arcuri

O primeiro filme foi “Em Busca do Ouro” de Chaplin.

Com meu pai, em um cinema que, se a memória não me trai, era no Edifício Ciampi, na Avenida Rio Branco. 

Cinema era, então, exclusivamente… na rua!

E “ir ao cinema” tinha uma liturgia própria ou talvez – melhor! – um roteiro a ser seguido.  Que evoluía com as idades.

Na  infância, o primeiro passo era confirmar em qual domingo haveria Sessão Coca-Cola, no Palace.  Em seguida, a excitação de ver a fila – elemento fundamental do roteiro – já formada na bilheteria da Rua Halfeld, comprar a pipoca na carrocinha (saquinhos, não baldes) e pegar os refrigerantes – de graça! – para assistir “Tom e Jerry” e “Os Irmãos Corsos”.  Quase como estar no céu….

A outra aventura era ir ao Central com minha avó, e entrar sem pagar.  Ela tinha uma coisa mágica, a “permanente”.  Como o Velho Pantaleone tinha construído o Cine-Theatro e sido sócio do antigo proprietário, ela ainda tinha esse privilégio. 

Juventude, anos 60 e 70.

Era impossível viver sem cinema. A TV engatinhava, era preto e branco, pequena, e o horizontal e o vertical nunca se entendiam: haja bombril nas antenas…

O cinema, ao contrário, já era technicolor, cinemascope, 70 milímetros.

Evolução no roteiro. 

Agora, o primeiro passo era decidir com namoradas e amigos qual filme assistir. Juntos. Sim, porque o segundo momento era reunir-se na fila da bilheteria (um prazer à parte) – na rua – para botar a conversa em dia e os primeiros comentários sobre o filme. E pipoca da carrocinha. Ou drops Dulcora.

O terceiro ato, de assistir ao filme, era precedido pela construção do “escurinho do cinema”, um espetáculo introdutório de luzes e sons, senha impositiva para o fim das conversas e início da cerimônia.

Nesse quesito, o Excelsior sempre foi imbatível!!

Estávamos então abduzidos pelo “corpo” do cinema, sua sala, e iniciado o processo de transubstanciação de nossas mentes pelo filme.

E que filmes!!

Depois de “Soldier Blue”, nunca mais os índios foram os bandidos e a Cavalaria Americana, os mocinhos.

No final das sessões de “Um Estranho no Ninho”, no Palace, a plateia aplaudia de pé.

Foi também no Palace onde, pelo DCE, realizamos o Festival Nacional de Cinema, com o lançamento de “Lição de Amor” e “Perdida”.

“Os Reis do Iê-Iê-Iê” chegou logo depois de “Ferry Cross the Mersey”, no Excelsior.  Raízes do rock.

A angústia ao assistirmos “O Ovo da Serpente” no improvável cinema dentro de outro, o Cine Festival, onde também vimos, nas duas únicas sessões, “Lacombe, Lucien”, episódio já imortalizado por Márcio Itaborahy, nosso memorialista.

Outros improváveis cinemas de rua também foram o São Mateus (exibindo, na Calourada de 76, “Trens Estreitamente Vigiados”), e o Cine Carriço (naquele inacreditável anfiteatro roxo, no então prédio da Prefeitura, passando o que era possível em 16mm, e frequentado por um público fiel interessado apenas em … ir ao cinema!).

E essa fênix, o Cine Paraíso, redivivo até 1989, quando lhe cravaram definitivamente uma estaca.

Havia também o Rex, mas a única vez que o conheci já foi para comprar suas cadeiras e equipar o Paraíso.

O espetáculo mais impressionante era entrar na imensidão do Central, ficar imerso em sua ferradura e nos coloridos de Biggi, e ver a tela se estendendo para o cinemascope para assistir obras-primas como “Os Duelistas” ou “Barry Lindon”.

O São Luiz, encerrando a Rua Halfeld, foi onde vimos “Woodstock“, e uma  série de outros filmes geniais, até que a lama do pornô o soterrou.

Lembrar dos filmes é essencial, porque o ato final de ir ao cinema era, claro, “discutir o filme”, no Faisão Dourado, quintessência desses momentos fundamentais de construção das amizades.  E das posições políticas.  E dos amores.

Mas morreram. Todos eles, os cinemas de rua.

E levaram com eles a magia que era ter esses portais de tempo e espaço, tão próximos de nosso quotidiano, a distância de passos, para nos levar, da rua Halfeld e das outras ruas, diretamente para as muitas aventuras da Humanidade.

Com eles, estávamos em Juiz de Fora e no mundo ao mesmo tempo.

E a vida era maior e mais densa.

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Imagem principal:

Imagem: Em fevereiro de 1958 é inaugurado o Cine Excelsior, localizado na Avenida Barão do Rio Branco, no Centro de Juiz de Fora.

Fonte: Blog Maria do Resguardo